Nos velhos tempos, o povo reunia-se ao redor do fogo para se aquecer, alegrar, dialogar e narrar acontecimentos. As pessoas, assim reunidas contavam e repetiam histórias, expressando sentimentos, conhecimentos e experiências, propagando a sua língua, as tradições e os costumes, a história e o conhecimento acumulado pelas gerações, crenças, mitos e valores a serem resguardados pela comunidade.
Ao longo do tempo, com a evolução tecnológica, a diminuição no convívio e a pouca disponibilidade familiar, este hábito foi sendo substituído por outros e o contar histórias tem-se tornado uma prática pouco comum… No entanto, para além de ser algo divertido, as histórias podem:
- Estimular o prazer, o hábito e o interesse pela leitura – é um processo constante, que deve começar bem cedo, em família, continuar na escola e pela vida fora… quando a criança aprende a gostar de ouvir histórias contadas ou lidas, ela adquire o impulso inicial que mais tarde a atrairá para a leitura. Ser estimulada para contactar diretamente com livros e ouvir histórias desde cedo terá um desenvolvimento favorável ao hábito, prazer e encantamento pelas histórias. Assim, pode-se dizer que a capacidade de ler está intimamente ligada à motivação e ao envolvimento.
- Estimular as funções cognitivas – as histórias estimulam a concentração e a atenção, a elaboração de conceitos, bem como o desenvolvimento das funções cognitivas importantes para o pensamento, tais como a comparação (entre as figuras e o texto lido ou narrado), o pensamento hipotético, o raciocínio lógico, o pensamento divergente ou convergente, as relações espaciais e temporais (toda história tem princípio, meio e fim), a memória (associada à memorização da história ou ao relembrar de experiências que viveram ou que escutaram seus parentes contarem. Com esta prática, as crianças encontram também, no momento de leitura, um caminho para criar relações entre memórias e afetos).
- Incrementar a imaginação e criatividade – as histórias podem levar aos mais diversos contextos e a lugares fantásticos; os elementos contidos nas histórias fazem com que as crianças obtenham novas referências, em que formam um repertório de imagens e situações que podem depois combinar de formas muito diversas originando situações absolutamente novas;
- Desenvolver a linguagem oral e escrita – à medida que a criança vai lendo ou ouvindo uma história, a aquisição de vocabulário aumenta e aprende mais palavras. O contato com os livros facilita o desenvolvimento e o aperfeiçoamento de várias habilidades, como a fala, a escrita, o raciocínio, a imaginação e a reflexão. A participação do adulto nesse processo pode trazer resultados positivos quando inseridos no processo de exploração do livro com a criança sobre as personagens, a história, as lições das histórias, da associação à vida da criança, sendo estas adequadas à idade. Quando a criança é pequena, a exploração poderá passar por produzir as cores de objetos ou ações que se desenrolam na história e numa fase inicial, é muito importante que os livros sejam apresentados à criança em forma de brinquedo, para que possa interagir, adquirir o hábito de passar de folha para folha, bem como o gosto por conhecer a história. Ouvir e contar/ler histórias permite que as crianças interajam enquanto ouvintes e enquanto contadores de histórias, promovendo em ambos os casos capacidades de ouvinte, de leitura e de compreensão. É, por isso, considerada uma atividade rica e completa.
- Fomentar valores – as histórias ajudam na formação do carácter, uma vez que os enredos geralmente são organizados de forma que das ações dos personagens se possa extrair um conteúdo moral colaborando para a construção de valores éticos e de cidadania, desenvolvendo a confiança na força do bem, promovendo a flexibilidade na aceitação de diferenças, ajudando-a a identificar os papéis sociais que exercerá ao longo de sua existência. As histórias ensinam a viver. Elas encerram anseios, desafios, vitórias, derrotas e conquistas. O encadeamento do enredo exemplifica modos de vida e o final, geralmente feliz, é um alento, uma esperança, uma diretriz que mostra que aquele que agir assim também poderá obter a felicidade. Através de personagens que têm que vencer obstáculos, sair do âmbito familiar e conseguir sucesso no mundo externo, preparamos os pequenos ouvintes para adotar vivências com mais segurança das suas próprias derrotas e perdas. O bem e o mal, aparecem sobre a forma de algumas personagens e as suas ações, tal como estão presentes na nossa vida e a propensão para ambos se encontra em cada um de nós. O mal não deixa de ter os seus aspetos atrativos mas a convicção de que o crime não compensa é uma dissuasão muito mais eficaz, e é por isso que nos contos de fada os maus perdem sempre e é o herói, que sofre as suas provações e tribulações, triunfa.
- Desenvolver a capacidade de reflexão e senso crítico – ouvir e ler histórias é permitir que as crianças pensem, duvidem, perguntem, critiquem o que foi lido ou contado, tenham suas próprias ideias, formem a sua opinião. Uma história pode também ser o ponto de partida para ensinar algum conteúdo específico, pois é um contexto através do qual podemos discutir com a criança, um assunto, uma forma de pensar, uma consequência… (ex. se a criança mente com alguma frequência pode contar-lhe a história do “Pedro e o Lobo” e depois refletir com ela sobre o que aconteceu e porquê);
- Contribuir para o desenvolvimento emocional das crianças – através das histórias, a criança pode sentir emoções importantes como a tristeza, raiva, alegria, medo, insegurança e tantas outras, assim como participar nos problemas e dificuldades dos personagens. As crianças podem associar as histórias que lêem ou escutam com situações que elas vivem, o que ajuda no desenvolvimento de formas de lidar com dificuldades, sentimentos e emoções. A partir daí e com o apoio do adulto, a criança tem a possibilidade de aprender a reconhecer as suas emoções/pensamentos, a lidar com os seus conflitos interiores e com situações desagradáveis, constatar exemplos de soluções para as suas dificuldades, ter ideias e soluções para os seus problemas, ver como vencer certos desafios ou ter de aceitar aqueles que não está ao seu alcance resolver.
- Promover a interação familiar e/ou pedagógica – a interação que se estabelece no momento de contar ou ouvir juntos uma história aproxima os sujeitos envolvidos, podendo facilitar a expressão de sentimentos, vivências, opiniões, reações e perspetivas sobre o mundo. Contudo, é preciso ter muito cuidado ao eleger as versões que são contadas para as crianças, uma parte das publicações que encontramos nas livrarias foram de tal forma destituídas da sua essência que perderam elementos importantes para atingirmos os nossos objetivos.
Helena Mendes – Psicóloga Clínica & Educacional
Ana Catarina Canha – Terapeuta da Fala
julho de 2020